Somos Arte

terça-feira, 31 de agosto de 2010

A desintegração romanesca da artista mexicana Frida Kahlo

29/08/2010 - 08h00

ALCINO LEITE NETO
DE SÃO PAULO


"YO SOY LA DESINTEGRACIÓN", escreveu Frida Kahlo em seu diário. Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón passou boa parte de sua vida na cama e em hospitais, entre dores terríveis e intervenções cirúrgicas sucessivas (mais de 20). A série de padecimentos físicos da artista mexicana ao longo de seus 47 anos de vida é inumerável. Eis alguns deles:

1. Nasceu em 1907 com um tipo de malformação congênita da bacia, estreita demais para assegurar no futuro uma gravidez sem problemas;

2. Aos três anos, contraiu poliomielite; a doença deixou sua perna direita e seu pé esquerdo um tanto atrofiados;

3. Com quase 18 anos, foi vítima de um acidente de trânsito, no qual fraturou a coluna vertebral em 3 pontos e a perna esquerda em 11, teve parte do fêmur rompido, quebrou costelas e o osso pélvico, o pé direito foi esmagado e um balaústre de ônibus atravessou seu ventre até a vagina. "Foi assim que perdi minha virgindade", disse;

4. Incapaz de gerar filhos, teve três abortos, um espontâneo e dois realizados cirurgicamente;

5. Em 1953, uma gangrena levou à amputação da perna direita; sufocada por dores de todo tipo, ela as amenizava com morfina, maconha e altas doses de Demerol;

6. Em 1954, contraiu uma forte pneumonia, causa de sua morte em 13 de julho.

Engana-se, entretanto, quem pensa que sua vida seja tão desinteressante quanto um boletim médico e tão piedosa quanto uma telenovela. Ao contrário. É preciso ter nervos e colhões para acompanhar a trajetória desta mulher que foi contemporânea da Revolução Mexicana (1910) e de um dos períodos mais flamejantes da história das Américas; engajou-se na juventude no Partido Comunista; esteve ao lado por mais de 20 anos de um dos titãs da arte moderna, o intranquilo e insaciável Diego Rivera, com quem se casou duas vezes (em 1929 e em 1940); flertou com Trótski e Georgia O'Keefe; conviveu com alguns dos principais artistas de sua época e construiu uma pintura atípica e enigmática, violenta e patética, assim definida por André Breton: "É uma fita em volta de uma bomba".

Se houve uma vida propriamente romanesca na arte do século 20, esta foi a de Frida Kahlo. Sua existência contém todos os elementos para uma narrativa apaixonante: a série de tragédias vivida pelo corpo, sim, mas também a paixão política, a luta contra os "artepuristas" e a arte burguesa, a expectativa de redenção social e espiritual depositada na pintura e principalmente a história de amor obsessiva e atribulada que viveu com Diego Rivera (1886-1957). "Amo Diego mais do que a minha própria pele", escreveu a artista.

É esta história incomum que o escritor francês Jean-Marie Gustave Le Clézio, 70, Prêmio Nobel de Literatura de 2008, narra em "Diego e Frida" [trad. Vera Lúcia dos Reis, Record, 240 págs., R$ 39,90]. Como diz o título, o livro tem dois personagens, e o autor toma o cuidado de não se desviar demais para um dos polos da história. Mas o leitor há de perceber que são os dramas de Frida Kahlo que mais encantam o autor e conduzem a narrativa.

Le Clézio, que viveu no México e é um amante do país e de suas culturas pré-colombianas, envereda com muita segurança pelos labirintos da história mexicana moderna e da vida do casal de artistas. Sua biografia, porém, é de segunda mão, construída a partir de outros livros, sem um trabalho de pesquisa inédito e pessoal. Personalíssima é a maneira como ele conta essa história, com toda a liberdade que lhe permite a literatura e sem represar, afinal, a exaltação política que compartilha com os personagens.

Nada escapa ao olhar de (grande) romancista de Le Clézio, tanto no plano de conjunto quanto nos detalhes -sejam os hábitos cotidianos, como as roupas de Frida e o ascetismo gastronômico de seu marido, sejam os reveses sentimentais ou os momentos picantes e rocambolescos, como a fuga de Rivera para os EUA, suspeito de um atentado frustrado contra Trótski. Outros personagens fascinantes, como os fotógrafos Edward Weston e Tina Modotti, os escritores André Breton e Paul Éluard, e ainda Nelson Rockfeller e Henry Ford, atravessam a narrativa.

Le Clézio também não se priva de abordar criticamente a obra de ambos -e o livro resulta num verdadeiro elogio da pintura dela e, mais ainda, numa apologia do moralismo dele. Nos capítulos finais, o autor "sobe o tom" político da narrativa, apresentando os dois artistas como emblemas de uma arte humanista e revolucionária.

Há algo de anacrônico em tudo isso, e por vezes a escrita de Le Clézio transborda no puro kitsch -em frases como: "A revolução é como o nascimento do amor. Tudo pode acontecer".

Outras vezes, ele se lambuza de sentimentalismo ou imerge numa espécie de esoterismo político, em que culturas e mitos indígenas abrem portas para a redenção do homem.

Entretanto, por isso mesmo, por se construir no caminho oposto ao de nossa época cética e apática, por seu convite a compreender a arte como uma forma de rebelião social e de extravasamento íntimo radical, por sua indiferença em relação aos percalços pós-modernos da escrita, este livro se torna uma leitura desafiadora e palpitante.

"Diego e Frida" não é a única obra a respeito da artista mexicana que chegou às livrarias brasileiras recentemente. Há também o belo álbum "Frida Kahlo - Suas Fotos" [org. Pablo Ortiz Monasterio, trad. Gênese Andrade e Otacílio Nunes, Cosac Naify, 524 págs., R$ 120], com parte da coleção de aproximadamente 6 mil imagens guardadas pela pintora e que, por impedimentos testamentais, só veio à luz agora, mais de 50 anos após a sua morte.

As cerca de 400 fotos do álbum são o complemento ilustrativo ideal ao livro de Le Clézio. Os personagens da biografia estão todos ali, em retratos que provam o gosto de Frida pela fotografia e o valor que atribuía aos retratos como testemunhos de sua vida.

Tal gosto Frida herdou do pai, Carl Wilhelm Kahlo, alemão que imigrou para o México no final do século 19 e ali se estabeleceu como fotógrafo, adotando o prenome Guillermo. Um capítulo do livro -e um dos seus pontos altos- é dedicado justamente à série de autorretratos do pai, obsessão compartilhada pela filha, que fez de si mesma, de seu rosto e de seu corpo, o tema por excelência dos quadros. "Sua pintura pode ser descrita como um grande autorretrato, um autorretrato total múltiplo, desaforado", escreve o crítico Mauricio Ortiz num dos sete ensaios que fazem parte da obra -nem todos eles relevantes.

Outros capítulos são dedicados à mãe da pintora, à Casa Azul (onde viveu), ao seu "corpo dilacerado", aos seus amores e às imagens políticas que guardou -da Revolução Russa, de Stálin, de Hitler, dos judeus no final da Segunda Guerra etc. A pintora e Rivera conviveram não apenas com grandes nomes das artes plásticas, mas também da fotografia, como Tina Modotti, Edward Weston, Manuel Alvarez Bravo, Gisèle Freund e Nickolas Muray, cujas imagens o casal colecionou ao longo da vida.

Todos esses fotógrafos retrataram Frida, fascinados por sua poderosa fotogenia, em particular Muray, que foi amante da pintora e fez dela um conjunto notável de imagens, num hospital em Nova York. Há também fotos feitas pela própria pintora, que aprendeu os segredos da câmera ainda criança, com seu pai. E aos brasileiros pode interessar o fato de que a coleção contenha imagens de Pierre Verger feitas no México e dois retratos elegantes da poeta Adalgisa Nery, datados de 1945, quando seu marido, Lourival Fontes, foi embaixador no país.

É certo que, além do valor documental, essas fotos formam uma volumosa coleção de fetiches, poderoso combustível para a idolatria crescente em torno de Frida Kahlo (parecida, em menor escala, à que cerca Clarice Lispector). É inevitável.

Apesar das antipatias de boa parte da crítica de artes plásticas em relação à pintora, há em seus quadros confessionais e alegóricos, com sua mitologia extravagante e esotérica, alguma coisa que fala diretamente ao coração da atualidade -fenômeno que já não pode ser explicado apenas pelas campanhas de valorização da artista movidas pela intelligentsia feminista.

As utopias se esvaziaram, as revoluções sociais caíram em desuso, os comunismos apodreceram, mas a "desintegração" de Frida Kahlo permanece um drama e um desafio dos quais ainda somos contemporâneos.

Leia aqui trecho do livro "Diego e Frida" e confira também a galeria de imagens do livro "Frida Kahlo - Suas Fotos".

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/789645-a-desintegracao-romanesca-da-artista-mexicana-frida-kahlo.shtml


“Vivemos graças ao caráter superficial de nosso intelecto, em uma ilusão perpétua. Para viver necessitamos da arte a cada momento, nossos olhos nos retêm formas, se nós mesmo educarmos gradualmente esse olho, veremos também reinar em nós uma força artística, uma força estética”.Nietzsche


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Livro investiga influência surrealista no Brasil

29/08/2010 - 08h00


EUCLIDES SANTOS MENDES
DE SÃO PAULO

Para o poeta e editor Sergio Cohn, o livro "A Aventura Surrealista" (Tomo 2, primeira parte, Edusp, 624 págs., R$ 104), do ensaísta e artista plástico Sergio Lima, é uma obra de fôlego sobre a história e a influência do surrealismo no Brasil.

A fim de dissecar o papel da vanguarda na formação da arte moderna brasileira, Sergio Lima empreendeu extensa pesquisa, cujo segundo tomo (primeira parte), recém-lançado, investiga a influência do movimento no Brasil entre 1901 e 1920 e traz minuciosa cronologia sobre os principais grupos e obras ligados à vanguarda.

O primeiro tomo (que trata das vertentes formadoras do surrealismo) foi publicado em 1995. Ainda serão lançados mais dois volumes, um sobre os anos 1921-30 e outro com antologia do surrealismo no Brasil.

Cohn avalia que o movimento surrealista "teve um impacto grande no país, principalmente na década de 1920, mas acabou sendo uma influência intermitente e muitas vezes subterrânea". Neste sentido, ele destaca a importância do trabalho de Sergio Lima, "um erudito no tema".

Veja, aqui, galeria de imagens de obras de artistas brasileiros influenciados, em alguma medida, pelo surrealismo.



“Vivemos graças ao caráter superficial de nosso intelecto, em uma ilusão perpétua. Para viver necessitamos da arte a cada momento, nossos olhos nos retêm formas, se nós mesmo educarmos gradualmente esse olho, veremos também reinar em nós uma força artística, uma força estética”.Nietzsche


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Paralela 2010


“Vivemos graças ao caráter superficial de nosso intelecto, em uma ilusão perpétua. Para viver necessitamos da arte a cada momento, nossos olhos nos retêm formas, se nós mesmo educarmos gradualmente esse olho, veremos também reinar em nós uma força artística, uma força estética”.Nietzsche


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