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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Van Gogh pode ter feito versões das suas próprias obras

29/10/2013 - 06h44

HENRY ADAMS

DO "NEW YORK TIMES"

Por muito tempo, foi uma espécie de segredo imoral, violando ideias sobre a grande originalidade artística: Vincent van Gogh frequentemente fazia cópias da sua própria obra. Agora, numa reviravolta, aquele que é aparentemente o aspecto menos original do método de Van Gogh oferece um olhar minucioso para a intensidade estranha e obsessiva do seu processo criativo.
Sua curiosa prática de se copiar garante o ímpeto de uma nova exposição, "Van Gogh Repetitions" [Repetições de Van Gogh], em cartaz até 26 de janeiro na Phillips Collection, em Washington, e depois em Cleveland (Ohio) a partir de 2 de março.
No século 19, quando o academicismo dominava, fazer cópias era parte crucial da formação dos artistas profissionais. Mas, durante o século 20, essa prática caiu em desgraça. Passou a ser vista como antiartística.
Por causa do desapreço moderno pela cópia, as réplicas das obras de Van Gogh feitas pelo próprio, que ele chamava de "répétitions", foram às vezes desprezadas como sendo falsificações.
A exposição reúne 13 casos em que Van Gogh fez mais de uma versão de uma obra. No catálogo da mostra, uma equipe de acadêmicos e conservadores, liderados por William Robinson e Eliza Rathbone, junta e analisa documentos que dão pistas sobre quando Van Gogh copiou o quê. Essa equipe usa novos indícios técnicos, como radiografias e imagens de alta resolução, para resolver dúvidas sobre a sequência dessas obras que vinham intrigando os acadêmicos.
Um par específico de pinturas de Van Gogh -uma mantida em Cleveland e a outra em Washington- inspirou a exposição. Em maio de 1889, Van Gogh fez duas versões muito semelhantes da mesma pintura: "Os Grandes Plátanos (Reparadores da Estrada em Saint-Rémy)", hoje no Museu de Arte de Cleveland, e "Os Reparadores da Estrada", na Phillips. As pinturas são virtualmente idênticas em seus contornos.
Qual pintura veio antes? Os curadores primeiro usaram radiografias para revelar que as subcamadas de "Os Grandes Plátanos" são uma confusão densa e quase ilegível de pinceladas, ao passo que as camadas ocultas de "Os Reparadores da Estrada" batem quase totalmente com a superfície da pintura.
Em seguida, os pesquisadores passaram à superfície, aprendendo que Van Gogh executava as pinturas sobre materiais muito diferentes. A pintura de Cleveland foi feita sobre um fino tecido de algodão, com estampas industriais de losangos vermelhos e sem uma camada de tinta que servisse como base. Já a pintura da Phillips está sobre uma tela normal do artista, com a preparação prévia. Assim, a pintura de Cleveland parece mais rude, como convém a um esboço feito ao ar livre, enquanto a tela da Phillips é um pouco mais suave, mais deliberada.
Além disso, Van Gogh fez várias pequenas melhorias na segunda versão, a da Phillips. "Dá para ver que ele moveu a luminária da rua para a esquerda, para fazer fazê-la se destacar", disse Robinson. "Ele acrescentou mais linhas à árvore. Ele até acrescentou uma figura extra."
Qual das duas pinturas é melhor? Se você acha que copiar é ruim, então claramente a versão de Cleveland é melhor. Mas Van Gogh, em outras situações, costumava declarar que considerava a réplica a melhor pintura, a mais significativa obra de arte. Na verdade, Van Gogh nunca foi tão inventivo quanto ao se copiar.
Os objetivos de Van Gogh ao fazer as repetições variavam. Em vários casos, ele produzia cópias para dar de presente a parentes, a artistas amigos e às pessoas que haviam posado para ele. Como documenta o catálogo da exposição, essas segundas obras costumam ser menores e mais apressadas.
Van Gogh também fez três versões do seu dormitório em Arles e seis pinturas e três desenhos retratando o carteiro Joseph Roulin. O que surpreende é como as pinturas do carteiro parecem ser diferentes quanto vistas lado a lado. Não são bem repetições, portanto, mas variações sobre uma ideia, mais ou menos como Bach criava variações na música.
A exposição estimula um olhar atento. "É preciso realmente se concentrar", disse Robinson. "Mas, quando você compara pincelada a pincelada as diferentes versões de um desenho de Van Gogh, você começa a reviver suas decisões criativas. É uma experiência estranhamente mística. É como se você fosse absorvido pela intensidade do seu gênio."

Fonte: Folha de SP 29/10/2013 - 06h44


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