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domingo, 8 de junho de 2008

O Público e a Arte

O PÚBLICO E A ARTE

Reconhecer o studim – interesse que a foto desperta –é fatalmente encontrar as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprova-las, desaprova-las, mas sempre compreende-las, discuti-las em mim mesmo, pois a cultura é um contrato feito entre os criadores e os consumidores.

(Roland Barthes, filósofo francês).


A amplitude dessa experiência depende do artista, dos meios de que dispõe, de suas idéias e intenções, da sua formação, do trabalho realizado e daquele que enfim o recebe e aprecia. A obra, portanto, só se realiza quando fruída pelo público, mesmo quando composto por uma única pessoa.
Seeger, um estudioso de arte norte-americano, chama de desempenho esse momento no qual, após um longo processo de produção artística, vencidas as etapas de produção, uma obra é recebida por seu público e nele se realiza.
Para que esse desempenho ocorra, é preciso que o observador, o espectador ou ouvinte se coloque diante da obra com disposição para senti-la e entendê-la, entrando em contato, através dela, com o artista. Parece simples, mas não é. Para que isso ocorra, as diversas artes estabelecem alguma forma de apresentação ao público na qual se evidencia seu caráter artístico e portanto ficcional. A vernissage de um artista plástico, o abrir de cortinas de um teatro, os acordes de uma sinfonia e o apagar das luzes de um cinema têm esse papel de introdução à obra de arte, orientando o público para uma postura de receptor.
Umberto Eco chama esses indícios orientados do público de paratexto. É a partir deles que o público se dá conta do início de uma apresentação artística e se transforma. Sua percepção se aguça e se abre para a mensagem do artista, havendo uma concentração necessária e uma certa ruptura em relação à sua vida diária. Essa ruptura é auxiliada pelo escuro da sala de apresentação, pela posição do público, pelo palco que se interpões entre ele e o que é exibido. A possibilidade de o observador ou espectador mergulhar na obra e viver sua fantasia, sua natureza, é chamada de projeção.


AS ARTES DE HOJE E AS APRESENTAÇÕES INESPERADAS

As artes clássicas possuem formas consagradas de estabelecer esse pacto com o público, através do qual ele se coloca na disponibilidade adequada para a fruição estética, mas o mesmo não se pode dizer dos novos gêneros artísticos. Apresentações como as performances, que se realizam em locais não-usuais, exigem que o público seja despertado para a apresentação. Um aluno meu de Artes Cênicas fez uma performance num supermercado de São Paulo, cuja intenção era criticar o consumismo. Para tanto, começou a despejar os produtos de uma gôndola em seu carrinho para, teatralmente, expressar o furor de compras das pessoas. Os clientes do supermercado, entretanto, não tendo conseguido’ perceber o caráter teatral de sua atitude, começaram também a tira o tal produto da gôndola e a coloca-lo em seus carrinhos, julgando que o preço fosse uma rara promoção. Esses clientes não se colocaram como público, não estabeleceram uma ruptura com sua vida diária e não apreciaram artisticamente tal apresentação.
Um exemplo diferente ocorreu no metrô de São Paulo, onde uma performance foi realizada com a intenção de mostrar a falta de segurança dos transportes públicos. Os atores, com uma parte do corpo enfaixada por bandagens, foram entrando no mesmo vagão, um em cada estação e se colocando lado a lado. A partir da terceira estação, o público presente já prestava atenção à porta aguardando o novo artista que ia entrar. Pelo inusitado da apresentação, os usuários do metrô haviam percebido o caráter intencional do acontecimento, assim como sua motivação estética e teatral. A surpresa e a habilidade interpretativa funcionaram como o abrir de cortinas de um palco, fazendo com que, mesmo num espaço informal, os observadores se tornassem público de um espetáculo.
As transformações ocorridas na arte, com o aparecimento de novos gêneros e o surgimento de outras formas artísticas, têm transformado a relação do público com a obra de arte. As apresentações mais rápidas como as performances, mais informais como os happenings, ou realizadas através de equipamentos domésticos como televisão e vídeo, obrigam a uma atitude menos contemplativa das pessoas nas apresentações artísticas. Vai, aos poucos, desaparecendo aquele comportamento formal e introspectivo que se costumava ter adiante da arte do passado, para dar lugar a uma fruição mais inconstante, coletiva e informal. Sobre isso, o filósofo francês Geoge Steiner escreveu um ensaio analisando as transformações ocorridas na atitude do público em apresentações musicais vezes coletiva, de maneira totalmente diferente da postura tradicional do público nas audições do passado.
Percebemos, assim, que não é só a arte que está em constante sintonia com o seu tempo. Também o público, parte necessária da obra, adapta seu comportamento e sua sensibilidade de acordo com a dinâmica da arte. É no convívio com ela que vamos nos tornando sensíveis a seus significados e à sua forma peculiar de se apresentar. É curioso lembrar que os primeiros espectadores que entraram numa sessão de cinema se assustaram com as imagens que viram e saíram correndo, sem saber ao certo do que se tratava. Nós tivemos que aprender a ver cinema, assim como os cineastas tiveram que aprender a lidar com nossa percepção.

O PÚBLICO E A INTERPRETAÇÃO DO SENTIDO DA OBRA
“Nunca mais os arredores de São Paulo serão os mesmos depois dele”, afirmou Roger Bastide, sociólogo francês, referindo-se ás obras do pintor brasileiro Rebolo, que retratou os bairros paulistas de periferia. Ele estava tentando dizer não que o pintor havia modificado essa paisagem, mas que a beleza de sua obra influenciaria para sempre aqueles que a haviam visto, modificando seu olhar quando novamente se deparassem com aqueles lugares.
Se o papel do artista é tão importante que é capaz de modificar a maneira de olharmos o mundo à nossa volta, sem o público que percebe sua beleza e a transpõe para seu cotidiano a obra de arte também não existiria. Sem o olhar de Bastide, sensível à beleza dos quadros, a obra de Rebolo não existiria. É dessa interação que depende a obra de arte.
É por isso que, quando o artista dá por terminada sua obra, ele sente necessidade de deixar sua condição de criador para se coloca numa grande intimidade com a obra, rompendo com ela, procura olha-la, lê-la ou ouvi-la como se nunca a tivesse visto ou ouvido antes. Podemos dizer que, ao criar, o artista coloca algo de si para fora, exteriorizando uma idéia. Quando o público frui sua obra, ele a coloca para dentro de si, interiorizando-ª Para conseguir interiorizar sua própria obra, colocando-se no papel de público, o artista modifica toda sua postura diante dela. É quando o pintor recua, dando aquele passo para trás, para olhar e analisar a pintura, ou quando o escritor interrompe o trabalho para ler em voz alta o que escreveu.
Portanto, a obra se realiza no seu desempenho e na fruição do público, mas depende também da subjetividade e da constituição emocional do público na qual a obra, uma vez introjetada, irá se integrar.

A OBRA ABERTA
Por estar de acordo com essa idéia, o italiano Umberto Eco, filósofo da arte e da comunicação, criou o conceito de obra aberta para definir a obra de arte. Baseou-se no pressuposto de que, se é o artista quem imprime uma série de significados em seu trabalho, e se é a obra que os porta e exibe, é no observador, no público, que ela finalmente se fecha. O universo de significados e de possibilidades criado pelo artista adquire enfim um certo sentido. Mas, por se aberta, essa obra continuará portando esses possíveis significados até o próximo observador.
A consciência do papel do público na apreciação da obra de arte foi se desenvolvendo aos poucos. Em tempos mais remotos, essa questão não se colocava, pois a obra era feita por encomenda e fruída por uma minoria. A arte era um bem de elite e para ela se destinava. Com o advento da República e da democracia, quando o povo reunido nas cidades começou a participar das mais variadas apresentações civis e artísticas, a questão da formação e informação desse público passou a interessar aos artistas. E, à medida que o artista se tornava um profissional liberal, comunicar-se com esse público e fazer sua arte compreendida passou a ser fundamental. A partir de então, reconhece-se cada vez mais que o público é parte integrante da obra de arte, e sua participação – maior ou menor, mais ou menos bem –sucedida – depende de entendimento, informação e vivência. Nossa sensibilidade vai se tornando cada dia mais desenvolvida e aguçada.



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