ARTE E TECNOLOGIA
O que importa é perceber que a existência mesma dessas obras, a sua proliferação, a sua implantação na vida social colocam em crise os conceitos tradicionais e anteriores sobre o fenômeno artístico, exigindo formulações mais adequadas à nova sensibilidade que agora emerge.
(Arlindo Machado, pesquisador brasileiro).
Vamos tratar agora das questões – algumas das quais polêmicas – que envolvem as relações da arte com a tecnologia, procurando entender o que é técnica e o que é tecnologia.
Consideram-se como técnicas aqueles procedimentos que o homem desenvolveu para interferir na natureza e controla-la, procurando encontrar formas mais eficientes de produção, defesa e sobrevivência. A domesticação de animais ou a modelagem da cerâmica constituíram técnicas, na medida em que organizaram um conjunto de ações repetitivas e controladas, amparadas por um conhecimento.
Como se vê, técnica não significa necessariamente o uso de máquinas e equipamentos. São formas consagradas de ação do homem sobre a natureza com o intuito de domina-la e de aumentar a sua capacidade produtiva. A pesca com rede ou com vara e determinadas formas de construir casas são diferentes técnicas produtivas que implicam também o uso de certas ferramentas e instrumentos: as tecnologias.
A arte em seus primórdios esteve intimamente relacionada com a técnica, a ponto de os povos antigos não fazerem distinção entre o artesão e o artista. Foi um longo processo histórico que resultou na diferenciação entre arte e manufatura e, conseqüentemente, na organização de campos próprios de atividade e conhecimento.
No processo de autonomia da atividade artística, a arte procurou se diferenciar da ciência, assim como do artesanato e da manufatura que se desenvolviam concomitantemente. Durante o século XVIII, por exemplo, não havia nada mais diferente do que uma máquina a vapor e uma obra de arte, um inventor e um artista. O mundo da técnica se aproximava mais da ciência que da arte.
ARTE E TECNOLOGIA SE REAPROXIMAM
Nos séculos XIX e XX assistimos a uma lenta e constante reaproximação entre arte e ciência e, conseqüentemente, entre arte e técnica e indústria. Como vimos, a Bauhaus foi uma conseqüência desse processo e um exemplo da maneira como os artistas procuravam se reconciliar com a manufatura e a indústria, das quais haviam se separado anteriormente.
A ciência desses séculos, revolucionando o mundo e interferindo cada vez de forma mais radical em todos os campos da cultura, não poderia ter deixado de interferir na arte, atividade tão intimamente ligada à vida do homem. Imaginemos, por exemplo, o que representou para o artista a invenção da eletricidade. Uma nova iluminação surge no mundo, as cores mudam de intensidade, os ambientes se transformam e as cidades se iluminam à noite, favorecendo a vida social e o lazer e, conseqüentemente, a produção artística. Novos ritmos e novos sons passaram a fazer parte do cotidiano do homem. Imaginem as modificações nas paisagens agora vistas à velocidade de um automóvel ou a partir de um avião sobrevoando a Terra. As distâncias ficaram menores, o que era longínquo tornou-se próximo e as proporções se modificaram.
Já fizemos referência à maneira como os inventos propiciam novas formas de olhar o mundo – o telescópio, o microscópio, além do próprio avião – e trouxeram para a arte novos temas e outros pontos de vista. Outras máquinas tinham por função principal a gravação, reprodução e a transmissão de sons e imagens, como o telefone, o telégrafo, o gramofone, a máquina fotográfica, o rádio e o cinema. Essas invenções influenciaram diretamente a produção artística. Na segunda metade do século XX, com o advento da televisão e dos microcomputadores, muitos chegaram a prever a morte definitiva da arte.
AS TRANSFORMAÇÕES DO GESTO
Vamos pensar inicialmente nas transformações que a revolução tecnológica trouxe para o gesto artístico em si. As artes clássicas, que se desenvolveram na Europa desde o Renascimento, exigiam do artista o domínio técnico e a capacitação física ou manual. O pintor, o músico, o dançarino, além de dons como a criatividade e a inspiração, tinham que demonstrar o domínio expressivo de certa parte do corpo, como as mãos, os ouvidos, os olhos, a voz. Tinham que exibir certa habilidade de traço, expressividade fisionômica, ou afinação de voz. À medida que se desenvolve a arte técnica, o gesto humano vai sendo substituído pelo gesto técnico. A necessidade de ação física ou manual do artista se torna cada vez menor e, muitas vezes, reduz-se ao apertar de um botão. Onde fica a habilidade própria do artista, aquilo que diferencia sua obra das demais? Surge então novo conceito de gesto artístico: ele não representa mais a ação física do artista mas sua atividade mental que resulta do uso de intuição, da inteligência e da criatividade. O gesto artístico deve ser captado no olhar e no pensamento que dirigiu a máquina e não na execução da obra.
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