13/12/2011 - 07h50
Fotógrafo Chema Madoz cria ilusões em preto e branco
RODOLFO LUCENA
COLUNISTA DA FOLHA
Nesta época em que reina a foto digital, as construções com bilhões de cores e as imagens manipuladas em computador, o fotógrafo espanhol Chema Madoz, 53, se mantém fiel à velha câmera analógica e ao preto e branco. Mas não abdica de tentar enganar o olhar: as fotos que produz têm como palco um mundo mágico, em que um garfo é a sombra de uma colher ou uma escada pula a janela (ou um espelho?) e se equilibra no espaço.
Nas criações de Madoz, não há truques de sobreposição de imagens, photoshopagem nem outras montagens fotográficas: a manipulação da realidade acontece antes do clique, pois ele mesmo constrói os estranhos objetos e cenários que registra com sua câmera.
Nesta entrevista, o fotógrafo espanhol conta um pouco sobre seu processo de criação.
Chema Madoz/Arquivo pessoal
Imagem de escada apoiada em espelho é uma das produções preferidas de Chema Madoz
Folha - Por que continuar usando filme e câmera analógica em uma era em que tudo parece ser digital, eletrônico, internético?
Chema Madoz - A fotografia digital estabelece uma relação muito particular coma a realidade. Com ela tudo é possível, tudo é manejável. Para ela, a realidade é o ponto de partida; para a analógica, a realidade é o ponto de chegada. A fotografia analógica possui uma aura, é uma espécie de notário do que entendemos como real. É nesse âmbito que trabalho: o que me interessa é fraturar o conceito de realidade, mas em seu próprio território, com as limitações que ela nos impõe.
Por que ficar no preto e branco?
Não fiquei no branco e preto: escolhi o preto e branco. Meu trabalho gira em torno da idéia de estabelecer vínculos, nexos entre elementos muito diferentes e afastados entre si. O preto e branco facilita isso, pois tudo se reduz a volume, jogo de luz e sombra, texturas. É como se levássemos tudo a um mesmo terreno em que todos os objetos fossem feitos do mesmo material. O preto e branco é atemporal. Quando vemos uma foto colorida, podemos perceber na hora se foi feita nos anos 1950, 1960 ou 1990. A cor revela sua data de nascimento. Já uma imagem em preto e branco pode ter sido feita ontem ou há 80 anos...
Seu trabalho parece tentar subverter a realidade, enganar o olhar. Por que escolheu esse caminho?
A ideia de refletir sobre como vemos e como processamos a informação me interessou desde o princípio. Conhecer o trabalho de outros fotógrafos, como Jan Dibetts, Gibson ou Duane Michals, me serviu de base para encontrar uma forma própria de contar as coisas, em que o engano é uma maneira de colocar em dúvida as formas que percebemos e como que, através dessa percepção, estabelecemos as bases para tirar conclusões.
Nessa linha de trabalho, o senhor deixa de ser fotógrafo para se transformar num construtor de imagens?
A fotografia pode ser usada de diferentes maneiras e nem por isso deixa de ser fotografia. Essa é uma das grandezas da câmera. Construir as imagens é apenas uma das possibilidades. Sempre me considerei um fotógrafo, ainda que meu trabalho tenha influências muito diferentes, de diversas áreas. Algumas imagens poderiam ser instalações, outras estão mais próximas do conceito de escultura, enquanto há outras que se aproximam mais do mundo do grafismo, do desenho.
Como o senhor cria as imagens ou cenas que fotografa?
Meu processo de trabalho é bem simples, começo com um desenho para ver se a imagem que tenho na cabeça tem possibilidades de funcionar. Se acho que vale a pena, então passo a buscar os objetos de que preciso e trabalho com eles até conseguir a imagem desejada. Só então entra em cena a fotografia. Nesse sentido, a fotografia joga um papel bem tradicional, que é o de preservar o momento, o objeto; a diferença é que aquela cena ou objeto foi criada apenas para ser fotografada.
Apesar de o papel da fotografia parecer, a princípio, ser neutro, o fato é que ela leva o objeto a um ponto inacessível para o observador, que não pode tocá-lo, mas apenas vê-lo na perspectiva que a câmera oferece.
Tento fazer uma contraposição: uma aparência formal, clássica, que logo é subvertida. No meu ponto de vista, é aí que se concentra o interesse, na criação de uma linguagem própria, na qual brinco com a leitura que o espectador possa fazer.
Quase todas as imagens estão baseadas em algum engano, mas um engano muito particular, pois está sempre à vista do espectador. A manipulação é sempre evidente e clara. De alguma forma, mostro o caminho que segui para chegar a ela, à ilusão. Estou reivindicando a dúvida sobre o que vemos e como o fato de não dar as coisas por sabidas pode fazer com que tenhamos uma perspectiva diferente da realidade.
Qual é sua foto predileta?
É difícil escolher. Tenho especial carinho por uma imagem de uma escada com um espelho, pois foi uma das primeiras imagens que me fez tomar consciência de que era possível criar um espaço quase mágico com a combinação de dois elementos cotidianos.
Se a imagem já aponta essa sensação de converter um espaço imaginário em real, quase tive vertigens quando fiz a montagem da instalação, pela força que transmitia.
Como foi feita a imagem da colher com sombra de garfo?
Essa é uma das fotos que mais chamam a atenção. A colher e o garfo são objetos que sempre estão associados. Se você vê uma na mesa, logo procura o outro com o olhar. É como se a natureza de um tenha implicitamente o outro. O que me atraiu foi a possibilidade de trabalhar com a sombra, que, ao longo da história sempre foi associada a uma espécie de alter-ego.
Resolver o problema levou algum tempo, até que percebi que qualquer figura, vista através de um cristal translúcido, parecia quase uma sombra. Usei então um acrílico branco como base. O garfo está por baixo dele, visto pela transparência, parecendo então ser a sombra da colher, que está por cima
A manipulação é sempre evidente e clara. De alguma forma, mostro o caminho que segui para chegar a ela, à ilusão. Estou reivindicando a dúvida sobre o que vemos.
Não deixe de visitar o site: http://www.chemamadoz.com/
Licenciado em História da Arte pela Universidade Compultense de Madrid, Madoz oscila entre o surrealismo e o conceptualismo. Troca o sentido dos objectos com a fotografia, muitas vezes com uma ponta de humor que nos faz sorrir. Veja aqui as fotografias.
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2010/03/chema_madoz_-_fotografo_surrealista.html#ixzz1gRJRLkoe
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Um comentário:
“Historicamente a arte se submete ao pensamento. A arte do divertimento é coisa de brincadeira e o pensamento não, ele é sério e ele busca a verdade. Acontece que a verdade ela é uma mentira, uma ilusão que não gostava da sua origem, tinha vergonha. Então a verdade é uma ilusão que esconde o seu nascimento”
Viviane Mosé - café filosófico em “A verdade da Arte”
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