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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A Arte Como Ofício

“Os filósofos se interessavam principalmente por discutir as artes em relação à sua função educativa e ao seu impacto social. Julgavam pelos resultados. Mostrava-se uma obra de arte eficaz para a sua finalidade e era boa essa finalidade? Onde os critérios técnicos e morais entravam em conflito, os últimos tinham precedência - como aconteceu, por exemplo, quando Platão propôs que se expurgasse Homero, não porque certos trechos não fossem poéticos, senão porque, no seu entender, os trechos mais poéticos eram os mais vigorosos e, portanto, mais perigosa era a sua influência (República, L.III, 387b). A distinção entre as qualidades estéticas e o efeito total de uma obra de arte não acudia de pronto à mente grega, se é que chagava a acudir.”

“As obras de arte são consideradas artefatos fabricados com um propósito. Reputam-se bem sucedidas de acordo com a sua eficácia para o propósito que levam e com a estimação desse propósito. Essa atitude tende a obscurecer os critérios estéticos e substituí-los pela eficiência técnica de um lado e, de outro, pela apreciação moral ou social dos efeitos. Opõe-se à crença moderna nos padrões estéticos independentes ou ‘autônomos’, pelos quais se devem avaliar as obras de arte”.

“Sustentou-se, por esse motivos, que os gregos não tinham uma palavra para significar ‘arte’ ou ‘artista’ em nosso sentido o que lhes faltava o conceito dela. Antes da era da produção pela máquina, manufatura era sinônimo de indústria de oficina. Considerava-se o artista um manufator entre os demais, num tempo em que se conferia alto prêmio à habilidade do trabalhador. Este era comumente designado pelo nome de oficial (technites) ou artíficie (demiourgos). Assim, Platão se refere ao escultor Fídias como a um ‘artifice’ no pináculo da sua profissão e, portanto, autoridade no que é correto e apropriado na feitura de uma escultura dos deuses (Hippias Majos, 290b). Não se reconhecia diferença alguma de categoria, como a que hoje em dia se supõe, entre o artista criador e o artífice habilidoso nas técnicas do seu ofício. A idéia da criatividade (no sentido moderno, romântico) em conexão com as artes inexistia na filosofia grega. Igualmente estranha à mentalidade grega era a idéia da arte como ‘expressão’ da personalidade do artista”.

“Por essa razão, a teoria geral da arte na filosofia grega subordinava-se à sua teoria da manufatura, que foi denominada ‘uma das maiores e mais sólidas consecuções do espírito da técnica. O artífice competente precisa necessariamente conhecer o ‘bem’ do seu ofício particular. Incumbia ao estadista-filósofo - o ‘artista’ supremo - avaliar os diversos ‘bens’ dos ofícios particulares de acordo com a sua utilidade numa sociedade planificada. A noção da arte ‘régia’ do estadista foi desenvolvida em sua República em seu Politicus: o adestramento de um corpo de bons cidadãos, cada qual desempenhando cabal e peritamente uma função útil numa sociedade planificada. Platão encontrou dificuldade para encaixar nesse plano os artífices que hoje chamaríamos ‘artistas’, não só porque eles não se coadunavam facilmente com a sua idéia da especialização, mas também porque o valor social das ‘finalidade’ dos seus ofícios particulares não estava muito claro para ele. Um sapateiro é perito do fabrico de sapatos de verdade, o carpinteiro na produção de mesas e cadeiras. O pintor, contudo, produz imitações ou cópias irreais de sapatos, cadeiras, mesas e de todas as coisas visíveis, sem ser perito em coisa alguma. Se presumirmos que o valor de qualquer manufatura é a sua utilidade, nesse caso a utilidade de um sapato pintado é inferior à de uma sapato real. Assim também o poeta descreve qualquer coisa, tudo, sem ter, todavia, conhecimento técnico de nada. Foi principalmente por esse motivo que Platão na instrução aos manuais técnicos e científicos”.

“Numa ocasião em que as suas artes mecânicas haviam atingido um nível elevadíssimo de beleza formal e gosto, é evidente que os gregos mal tinham chegado ao mais remoto indício da apreciação estética como valor ou ‘bem’ distinto, que merecesse ser cultivado por si mesmo. No caso das belas-artes, como diz o Professor W. D. Ross em seu livro Aristotle (1923, p.217):Pode-se presumir que o seu uso seja a contemplação estética, mas não existe nenhuma prova manifesta de que Aristóteles julgasse ser esse um fim em si mesmo. Essa curteza de vistas é estranhamente ilustrada em várias discussões da ‘beleza’ dos artefatos. No Hippias major, o pomposo polímato Hípias é levado, com dificuldade, a admitir que se a ‘adequação ao propósito’ é o critério da excelência..."

Trechos extráidos do livro: “Estética e Teoria da Arte”
Autor: Harold Osborne
Editora: Cultrix
Páginas 32,33, 34 e 35.


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