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sábado, 7 de junho de 2008

0042. A Perspectiva e o Real

A PERPECTIVA E O REAL

É muito importante, para entender o que quiseram dizer Magritte e Picasso, que compreendamos que, na arte, mesmo aquilo que parece cópia fiel do natural é, na verdade, apenas uma pintura. Como tal mantém uma relação de afinidade com seu modelo, mas constitui uma realidade diferente dele.
Durante a Idade Média, as pinturas sacras que ornavam as catedrais exibiam paisagens e seres que poucos tinham a ver com o mundo à nossa volta, pois pretendiam representar os lugares e as pessoas de que falavam as passagens bíblicas, tais como o paraíso, o purgatório ou mesmo o inferno, anjos, santos e demônios. Como se diz em arte, nessas obras, qualquer semelhança seria mera coincidência. Assim, as figuras sacras deveriam ser distinguidas das que representavam os seres humanos comuns, imperfeitos e pecadores. Em razão disso eram representadas maiores, suaves e belas, em contraposição ao homem comum, pequeno e decaído.
Em oposição a essa arte sacra e de acordo com sua própria racionalidade, o Renascimento criou uma nova concepção de espaço que foi a perspectiva – organização geométrica do espaço que dispõe todos os lamentos numa grade de linhas paralelas, que correm em direção a um ponto no infinito, chamado ponto de fuga. Essa forma de representação, por sua base de cálculos matemáticos, estava plenamente de acordo com o espírito cientificista da época. Embora a perspectiva dê ao observador a impressão de que ele olha através de uma verdadeira janela aberta para o exterior, dada à semelhança que parece ter com o mundo, ela não resulta menos do uso de imaginação do que as representações medievais do paraíso.
Erwin Panofsky, em seu livro A perspectiva como forma simbólica, demonstrou que o efeito ilusionista da perspectiva é resultado de nosso condicionamento. É o hábito da sua representação, que já tem cinco séculos, que nos leva a ver o mundo projetando-a sobre o que nos cerca e criando uma correspondência entre a perspectiva e a natureza de nosso olhar. Apoiado nas teorias ópticas, Panofsky afirmou que nossa retina, por ser uma superfície arredondada, jamais conseguiria ver naturalmente uma linha absolutamente reta. No entanto, condicionados pelo mundo das representações, distinguimos facilmente uma linha reta. Os gregos sabiam disso, tanto é que faziam a colunas de seus templos levemente curvas para corrigir a leve distorção que ocorre quando o olho humano vê uma linha reta.
A perspectiva corresponde a uma maneira de se pensar o mundo, através da qual as pessoas e os objetos devem estar distribuídos de forma lógica e matemática, cada um deles ocupando um espaço próprio e separando do outro por uma distância conhecida e mensurável. Essa idealização do mundo é a expressão não da natureza visível das coisas mas da mentalidade de um época que valorizava o raciocínio lógico e matemático, tanto quanto o individualismo que, desde a Renascença, foi um dos princípios fundamentais da sociedade humana. A perspectiva não corresponde sequer à realidade visível, pois sabemos que em nosso campo de visão os elementos se misturam e se influenciam, e percebermos conjuntos e cores que se integram umas nas outras sem um limite preciso entre elas.
Assim, as formas de representação não são mais ou menos verdadeiras, todas elas representam uma determinada mentalidade com seus valores e idéias e para a sociedade que as criou elas são mais adequadas, passando a constituir uma realidade.



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